Regras do Golfe: o maior vexame da história

16/08/2010


Lambança na final do PGA Championship deixa golfistas envergonhados de seu esporte


Dustin Johnson: vítima da incompetência dos fiscias e árbitros do PGA Championship
  Dustin Johnson: vítima da incompetência dos fiscias e árbitros do PGA Championship

por: Ricardo Fonseca

Não
sou árbitro de golfe, mas até a noite deste domingo, me orgulhava de
ter sido aprovado em primeiro lugar e com nota perto da máxima em dois
cursos de regras organizados pelas federações de golfe de São Paulo e do
Rio de Janeiro e ministrados por árbitros brasileiros do R&A, a
entidade máxima do golfe mundial. Mas fui para a cama com um sentimento
de vergonha por ter tentado transmitir durante anos meu entusiasmo pelas
regras do esporte para golfistas e não golfistas. Antes de dormir,
tirei os diplomas da parede. Eles estão de castigo.

O incidente
com Dustin Johnson no buraco final do PGA Championship foi um desserviço
ao esporte e manchou seriamente a reputação do golfe, para quem pratica
ou não o esporte. Como vou explicar para meus amigos que não jogam
golfe – ou mesmo defender as Regras do Golfe junto aos que praticam –
depois de todos verem um jovem talentoso ser usurpado da oportunidade de
uma vida pela incompetência e incapacidade de organizadores, fiscais e
rábulas do golfe.

Bancas de areia num campo de golfe são
obstáculos (hazard ou azar, como preferir) nos quais não se pode tocar o
taco no solo antes de bater na bola. O objetivo da regra é penalizar
quem erra o caminho para o buraco, dificultando sua vida ao impedir que
ele teste a superfície do obstáculo, no caso, que verifique se a areia
está mais ou menos compactada antes de dar a tacada. Ou que toque ou
mova qualquer objeto natural, como folhas e gravetos, que estiverem
dentro do obstáculo. Acho justo. Errou a tacada, azar dele, como sugere
no nome do obstáculo.

Mas bancas (de areia) são obstáculos
também muito bem definidos pelas Regras de Golfe. Não é qualquer areia
que é banca. As não-bancas podem ser apenas uma área que ficou sem grama
ou uma área de transição, natural ou não, onde se joga como no campo. E
se a área de areia onde a bola de Johnson parou à direita da raia do
buraco 18 de Whistling Straits é uma banca – me desculpem a expressão
antiquada -, minha avó é um bonde elétrico.

Todos viram na
televisão. Quando Johnson, líder do torneio por uma, chegou para bater
sua segunda tacada, encontrou sua bola numa pequena porção de areia e
mato pisados, cercados de gente por todos os lados. Não se via os
contornos de uma banca nem os seus limites. Não se via nada. Era tanta
gente que conseguiram barrar até a luz do sol. Mesmo assim, quando
Johnson pousou seu taco no chão – o que fez com que fosse penalizado -,
foi no momento em que ele pedia que as pessoas ou saíssem da frente ou
tapassem todo o sol de uma vez, pois as luzes se mexendo sobre sua bola
atrapalhavam sua visão naquele arremedo de banca.

Graças
incompetência dos ficais e a conivência dos portadores de livros de
Decisão nas Regras de Golfe debaixo do braço – não vou chamá-los de
árbitros para não ofender meus amigos – Johnson entrou para a história
como o quinto colocado de um major que, talvez, alguns se lembrem no
futuro, ter sido ganho pelo alemão Martin Kaymer. Uma vitória justa, mas
manchada para sempre pela dúvida: E se Johnson estivesse no playoff? A
obrigação de ficais e árbitros era ter retirado todos os torcedores de
dentro da banca antes de Johnson chegar. Foram omissos, ineficientes,
inúteis.

Prova de que em Whistling Straits ninguém sabe o que é
banca está no site do clube ou no do próprio PGA of América – uma
entidade de profissionais e professores de golfe – que organiza o quarto
major da temporada. Lá consta que Whistling Straits, tem “mais de mil
bancas”, não 1023, 1044 ou outro número qualquer. Simplesmente “mais de
mil”, não porque ninguém, nem eles mesmos, sabem com certeza o que é
banca por lá. Arranque um tufo de grama, um divot, e você terá uma nova
banca pelo que diziam as Regras Locais, onde constava que qualquer área
com areia ou terra, dentro ou fora das cordas, devia ser jogada como
banca.

Desculpem-me aqueles senhores de ar circunspecto de camisa
branca e gravata que circulam pelo campo com seu “Decisions” debaixo do
braço. Eles se afastaram do esporte e do espírito dos legisladores. A
primeira regra do golfe é jogar a bola como ela está. Isso Johnson fez. A
segunda é usar o bom senso. Isso todos os outros não fizeram. A
primeira coisa sagrada na interpretação de uma lei é o objetivo com que
ela foi criada. Punir inocentes não está entre elas.

Todos os
golfistas são responsáveis e devem conhecer as Regras do Golfe, mas
todos os responsáveis pelo campeonato falharam em manter a ordem. Eles
permitiram que a situação saísse do controle. E embora fosse contra a
liturgia não-oficial do cargo de árbitro, os rábulas de livro debaixo do
braço deviam não só exigido a retirada do público como alertado Johnson
para o que acontecia.

As Regras do Golfe podem ser ou parecer
injustas algumas vezes, mas até este domingo eram claras e defensáveis.
Torná-las ininteligíveis, obscuras e retrógradas, só reforça a percepção
do público de que o golfe é um esporte elitista. Quem faz as regras
hoje, as trata como uma reserva de mercado. Deter o monopólio de sua
compreensão é concentrar poder nas mãos de pessoas que sem essa
complicação não teriam outra forma de se sentir importantes nos buracos
extras da aposentadoria.

Há muito o golfe necessita de uma
completa revisão das Regras de Golfe para livrá-las do entulho
burocrático, das injustiças gritantes e das dubiedades ululantes. Bolas
em divots, marcas de sapatos nos greens, águas frontais e laterais,
distinção entre amadores e profissionais, prêmios para hole-in-one e as
bancas de Whistling Straits são apenas algumas delas.

Com a
volta do golfe aos Jogos Olímpicos, a hora de mudar é agora. Se o vexame
que aconteceu em Whistling Straits acontecesse na final do golfe
olímpico, no Rio de Janeiro, em 2016, dificilmente o golfe iria escapar
de ser reprovado na votação do Comitê Olímpico Internacional, em 2017,
que vai decidir se o esporte continuará a fazer parte dos Jogos
Olímpicos.

Mudanças já, mesmo que isso signifique aposentar ou
impedir que aqueles senhores circunspectos com livros debaixo do braço
tenham seus minutos de glória na desgraça alheia.

*O
jornalista Ricardo Fonseca é diretor de conteúdo do Portal Brasileiro
do Golfe, editor-chefe da revista Golf & Turismo e – ainda –
apaixonado pela Regras do Golfe.

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